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A correção da Ptose Congênita

Transcrevemos aqui a entrevista em vídeo do Dr. Henrique Kikuta, cirurgião oculoplástico (oftalmologista dedicado à cirurgia plástica na área dos olhos) em que ele fala sobre a sua experiência de 40 anos tratando a ptose palpebral, tanto a congênita quanto a adquirida.

A ptose pode prejudicar a visão da criança?

O cérebro se desenvolve sobremaneira nos dois primeiros anos de vida e o olho também, assim o olho obstruído vai se tornar incapaz de captar as imagens, quando não devidamente estimulado. E a pálpebra pode ser um empecilho para esse desenvolvimento.

Então quando se fala em ptose, essa é a primeira preocupação do oftalmologista: a criança tem que ser devidamente avaliada por oftalmologistas que são especialistas em crianças, os oftalmo-pediatras, eles estão mais habilitados, capacitados e aparelhados para medir a acuidade visual da criança, mesmo que a criança ainda não fale.

Qual é a idade ideal para a cirurgia de correção da ptose congênita?

Se corrige a ptose a partir dos dois anos e meio a três anos, porque é quando se consegue tomar todas as medidas para definir a técnica exata a ser utilizada na cirurgia. Essa idade é a ideal, porque se demorar demais, ela vai para a escola e na escola ela vai sofrer discriminação pelo problema, o que pode alterar a sua personalidade, tanto para agressividade quanto para timidez.

A ptose torna a criança anti socialNa maioria dos casos que tenho acompanhado as crianças se encapsulam, ficam tímidas, algumas fazem o contrário, saem batendo em quem faz chacota. Em ambos os casos são distúrbios indesejáveis no desenvolvimento da criança.

Até que idade é possível recuperar a visão?

Até o sétimo ano de vida. O ideal é que cirurgia ocorra até os três anos de idade, com a elevação da pálpebra a criança poderá recuperar plenamente a visão, com a estimulação do olho, se este for preguiçoso, com um tampão no olho bom, forçando o outro olho a enxergar e através da correção adequada da visão, com óculos.

Quais são os danos provocados pela ptose?Ptose congênita em criança pequena

A ptose pode causar dois danos: o primeiro é o funcional, o pior, o olho vai deixar de se desenvolver porque não aprende a captar a imagem, levando ao que se chama cegueira funcional ou ambliopia.O individuo vai descobrir aos 18 anos quando fizer o alistamento militar, vão mandar fechar um olho e ele vai notar que não enxerga bem com o olho da ptose. O segundo, afetando sua auto imagem e sua auto confiança, devido a problema estético que não se pode esconder.

O que provoca a ambliopia, além da ptose?

A ambliopia ocorre também em problemas de grau, se o paciente tem um olho muito diferente do outro, como um grau tanto mais como para menos, ou miopia, ou hipermetropia, ele usa o olho melhor para captar a imagem e esquece o outro. Esse esquecer, as vezes, leva a um desequilíbrio muscular que faz o individuo apresentar estrabismo.

Existe tratamento clínico para a ptose?

As ptoses só podem ser tratadas cirurgicamente, não há tratamento clínico para ptose congenita, é uma doença que afeta músculos. Não há tratamento medicamentoso, não há colírio, não há remédios por via oral.

Quando deve ser feita a cirurgia para correção da ptose congênita?

A idade ideal para cirurgia de correção da ptose congênita é por volta de 3 anos

Eu costumo acompanhar a criança a cada seis meses, por um ano e meio a dois anos, quando então ela consegue falar sobre o que enxerga e colaborar comigo, para que eu possa medir a força dos músculos. A pálpebra tem dois músculos para elevá-la, então a dificuldade da cirurgia da correção da ptose é que é uma equação com duas incógnitas. Cirurgia extremamente capciosa, uma das mais difíceis que existem e que realmente testa a minha humildade.

Fazendo estas cirurgias a mais de quarenta anos, eu costumo falar nas minhas aulas que vou morrer sem ter certeza de que acertei. Então quando o paciente pergunta “doutor o senhor me dá garantia de cem por cento?“ – não, eu tenho que informar o paciente em relação a uma certa imprevisibilidade do resultado da correção. Nem sempre se acerta em cem por cento dos casos na primeira cirurgia. Então às vezes tem que fazer um ajuste. Geralmente o ajuste é para mais, porque o olho fica um pouquinho mais baixo, estamos falando em milímetros, dois milímetros é suficiente para ptose ser aparente.

A pálpebra caida na criança é o sintoma da ptose congênitaA abertura da pálpebra não chega a um centímetro, é nove milímetros, quer dizer uma pálpebra que tem uma ptose e uma abertura de seis milímetros, então é uma ptose com uma diferença em torno de três milímetros em relação ao outro olho. Então essa é uma ptose já severa, quatro milímetros a cinco já bloqueia a entrada da luz, porque a pupila fica no centro dos nove e dez milímetros e então se a pálpebra cobre a pupila o individuo tem que fazer uma manobra compensatória para poder enxergar com os dois olhos, então normalmente ele toma uma posição de cabeça com queixo erguido e numa criança muito pequena, numa ptose bilateral, ela realmente vai ter problemas de postura, de coluna, e vai ser desajustada do ponto de vista do desenvolvimento motor. São dois músculos para elevar a pálpebra, então a dificuldade da cirurgia da correção da ptose é que é uma equação com duas incógnitas.

Cirurgia extremamente capciosa, uma das mais difíceis que existem e que realmente testa a minha humildade.

Como é feita a cirurgia de ptose congênita?

cirurgia para correção da ptose palpebral congênitaExiste primeiro a necessidade de se estabelecer a técnica cirúrgica, quantificar e depois executar. Então para determinar a técnica, que as vezes pode ser até mista, se pode associar duas técnicas, você tem que examinar e o paciente tem que colaborar, olhar para cima, olhar para baixo A cirurgia da correção da ptose congênita em criança é sempre realizada com anestesia geral, mas o ideal seria com anestesia local, com o paciente colaborando.

A cirurgia leva em torno de uma hora, não é uma cirurgia demorada, ela é em termos de área operada uma cirurgia pequena, mas extremamente técnica, porque eu tenho que localizar o musculo e fazer a devida correção na medida exata. É uma cirurgia de alta precisão. Na pálpebra você tem várias camadas e em cada camada você tem um estrutura diferente, então é necessário entender a anatomia para atuar no músculo correto e na quantidade correta, é ai a grande dificuldade do cirurgião, porque tudo isso é milimétrico e nenhum cirurgião controla a cicatrização. A cicatrização é individual, há quem retraia mais na cicatrização e há quem retraia menos na cicatrização e esse pequeno mais ou menos é suficiente para dar uma diferença de um milímetro para cima e para baixo, por isso digo que um resultado cem porcento na primeira cirurgia não dá para garantir.

Pode acontecer da pálpebra não fechar totalmente depois da cirurgia?

Acontece do paciente bem operado de ptose apresentar uma frestazinha ao dormir que mostra o branco dos olhos e ai a mãe vem desesperada – doutor, meu filho não fecha mais o olho. Se você encurta o músculo, você eleva a pálpebra, isso pode gerar um déficit para fechar o olho que é uma decorrência normal da cirurgia, que não gera queixa nos pacientes, se compensa naturalmente e não traz nenhum transtorno para o individuo.

A partir de que idade a ptose incomoda a criança?

A criança tem plena consciência da sua auto-imagem.

A criança se olhando no espelho se reconhece e sabe que aquela imagem é a dela, principalmente as meninas, elas estão na frente do espelho já com um ano, dois anos.

O sofrimento vem muito antes do que a gente imagina.

A criança é o melhor paciente que existe para correção da ptose.A criança percebe o problema da ptose desde muito cedo

Quando os pais dizem que o doutor vai elevar a pálpebra a criança não reage como adulto, prevendo todo o sofrimento da cirurgia, a criança tem o pensamento mágico. O doutor, o “tio” que vai operar é um mágico que com a varinha de condão vai colocar a pálpebra no lugar. Então as crianças são os pacientes mais colaborativos que eu tenho.

E no dia seguinte, quando ela se vê no espelho, quando tiro o tampão e ela se vê no espelho ocorre uma metamorfose em muitas crianças, ela muda a personalidade, fica eufórica, alegre, até acima do normal, passa a ficar muito sociável quando antes era fechada.

Então este lado da cirurgia, que é a reabilitação do paciente para o contato social e para o desenvolvimento pessoal depois da melhora da sua auto-imagem é uma coisa extremamente gratificante para mim e para os pais.

Dr. Henrique Kikuta